Marco Weissheimer

Buenas vivente

Olá seja bem vindo ao buteco se delicie com o nosso cardápio!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Agricultura Familiar se fortalece e cria Selo.


A partir desta safra, alimentos produzidos por agricultores familiares chegarão ao consumidor identificados com o Selo da Agricultura Familiar, instituído nesta quarta-feira (22) durante o lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2009/2010. Por meio de portaria assinada pelo ministro Guilherme Cassel, o Selo será concedido, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a partir da adesão voluntária dos produtores.“Além de valorizar a produção agrícola familiar, o Selo permitirá que o consumidor tenha acesso a alimentos de qualidade produzidos em um meio rural mais justo e por meio de uma produção sustentável”, afirmou o ministro.


O Selo da Agricultura Familiar terá validade de cinco anos e será concedido para a identificação de produtos como verduras, legumes, polpas de frutas e laticínios, entre outros. Além de garantir mais informações e segurança alimentar ao consumidor, o Selo deverá estimular a economia nacional a partir da ampliação da comercialização de produtos da agricultura familiar.


De 2002 até este ano, os recursos financeiros para a Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) aumentaram 531%, passando de R$ 2,38 bilhões para R$ 15 bi.“O governo trabalhou para promover o fortalecimento social do Pronaf. Agora, o objetivo é aprimorá-lo economicamente por meio de instrumentos como o Selo da Agricultura Familiar”, destaca o diretor do Departamento de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do MDA, Arnoldo de Campos. “Medidas como essa também resultam na geração de empregos e numa relação mais equilibrada entre a agricultura e o meio ambiente”, completa.


O principal critério para adesão ao Selo estabelece que 51% da principal matéria-prima do produto tenha origem na agricultura familiar, setor que responde por 70% dos alimentos que chegam diariamente à mesa dos brasileiros. “Os agricultores com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) também terão direito automático ao Selo”, explica Arnoldo de Campos.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Crise financeira?


Crise financeira?

Teoricamente, temos uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor, mas aqui está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização nos EUA. É no que pode dar a assimetria entre os 10% de crescimento da China e os modestos 3 a 4% dos EUA. Nos últimos vinte anos, o capitalismo experimenta uma violentíssima expansão: 800 milhões de trabalhadores foram transformados em operários entre a Índia e a China, e em todos os países do arco asiático. Uma ampliação quase sem precedentes na história mundial das fronteiras da mais-valia. A análise é de Francisco de Oliveira.

Tornou-se dominante interpretar a atual crise econômica mundial como financeira, inclusive nos arraiais marxistas, seguindo-se as indicações elaboradas por François Chesnais sobre os regimes de acumulação à dominância financeira. E as evidências empíricas levam água ao moinho dessa explicação, haja visto que foi o estouro das chamadas hipotecas subprime, que acendeu, finalmente, a luz vermelha de uma intervenção urgente e profunda. Bush ainda brincou, e deixou o Lehmann Brothers ir à breca, bem no receituário liberal. Mas o tsunami não perdeu o poder destrutivo e agora o elegante Barack Obama tenta domá-lo, sem muito êxito, até aqui.

A crise que aí está é a primeira da globalização, não a primeira global, pois de há muito todas as crises produzidas no centro do sistema propagam-se imediatamente. Uma crise da globalização é diferente: ela pode ser gestada nas periferias do sistema, atingir o centro e daí propagar-se. Teoricamente, ela é uma crise clássica na interpretação marxista: é de realização do valor, mas aqui está sua novidade: a produção do valor se dá na China e sua realização nos EUA. É no que pode dar a assimetria entre os 10% de crescimento da China e os modestos 3 a 4% dos EUA. Nos últimos vinte anos, o capitalismo mundial experimenta uma violentíssima expansão: 800 milhões de trabalhadores foram transformados em operários entre a Índia e a China, e em todos os países do vastíssimo arco asiático. Ficaram de fora nessa verdadeira revolução capitalista, a África, como sempre, e praticamente toda a América Latina.

Uma ampliação quase sem precedentes na história mundial das fronteiras da mais-valia. Descentralidade do trabalho? Vade retro! Com certeza, quem escreve e quem lê estão calçando um tênis e usando um relógio digital produzidos nessa nova fronteira. Isto quer dizer em teoria do valor que o custo de reprodução da força de trabalho nos países que importam tais bens de consumo foi drasticamente reduzido, sem a contrapartida de um aumento do salário monetário das suas classes trabalhadoras; Robert Kurz já os chamou, faz tempo, “sujeitos monetários sem dinheiro”. Flynt (GM), Dearborn (Ford) e toda Detroit são hoje cidades fantasmas, casas abandonadas, com desempregos duas vezes superiores à taxa nacional norte-americana, e uma cena medieval diária, inimaginavel na América das oportunidades: trabalhadores em filas recebendo refeições; ao invés de Lutero e Calvino, São Francisco de Assis..

Atenção: esta revolução nos mercados de trabalho mundiais não poderia ter sido feita sem uma pesada mudança técnico-científica nos métodos e produtos. O relógio digital que se descarta é banal porque produzido por uma enorme infra-estrutura técnico-científica que tornou as imensas reservas de mão-de-obra baratíssimas. A China hoje tem mais estudantes de curso universitário que os EUA, e mais pós-graduandos que o total de estudantes universitários do Brasil.

Nos EUA isto significou que a não-contrapartida em salário monetário deixou um buraco nas contas dos consumidores e das famílias, que no boom da especulação imobiliária tinham adquirido a casa dos seus sonhos. Cujos empréstimos os norte-americanos imediatamente deixam de pagar, abandonam as casas e vão morar nos trailers de seus carrões, estacionados à noite nos parkings, onde dormem. E os bancos e financeiras hipotecárias deixaram até de cobrar, porque o crédito novo, obtido através do FED e dos empréstimos chineses, era mais barato do que cobrar dos inadimplentes.

A oferta de dinheiro barato, as subprimes, veio das aplicações chinesas em títulos do tesouro americano, cujo FED deixou os bancos privados expandirem o crédito para além de qualquer critério. Já em março de 2005, Ben Bernanke, então importante economista de Princeton, alertava para o risco da utilização dos empréstimos chineses para financiar os pesados gastos das famílias norte-americanas, em hipotecas de casas e carros. Ben é hoje o todo-poderoso presidente do FED, e de crítico converteu-se em administrador da bancarrota (citado em Mark Landler, “Somente os bolsos chineses se enchiam” Folha de S.Paulo, 5/jan/2009, artigos selecionados do The New York Times).

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Extrapolação e colapso do sistema mundial?


Leonardo Boff *

Como nunca antes, se fala hoje em todos os países e fóruns, de desenvolvimento-crescimento. É uma obsessão que nos acompanha já há pelo menos três séculos. Agora que ocorreu o colapso econômico, a idéia retornou com renovado vigor, porque a lógica do sistema não permite, sem se autonegar, de abandonar essa idéia-matriz. Ai das economias que não conseguem refazer seus níveis de desenvolvimento-crescimento. Vão simplesmente sucumbir junto com uma eventual tragédia ecológica e humanitária.

Mas precisamos dizer com todas as palavras: essa retomada é uma armadilha na qual a maioria está caindo, inclusive Bento XVI na sua recente Encíclica Caritas in veritate, toda dedicada do desenvolvimento. Isso pôde ser verificado quase unanimemente, nos discursos dos representantes dos 192 povos presentes na ONU no final de junho. A grande exceção, que causou espanto, foi a fala inicial e final do Presidente da Assembléia da ONU, Miguel D’Escoto, que pensou para frente na lógica de um outro paradigma de relação Terra-Vida-Humanidade-Economia e subordinando o desenvolvimento a serviço destas realidades axiais. De resto, não se dizia outra coisa: há que se retomar o desenvolvimento-crescimento senão a crise se pereniza.

Por que digo que é uma armadilha? Porque, para alcançar os índices mínimos de desenvolvimento-crescimento de 2% anuais previstos, precisaríamos, dentro de pouco, de duas Terras iguais a que temos. Não o digo eu, disse-o o ex-presidente francês J. Chirac por ocasião da publicação em Paris no dia 2 de fevereiro de 2007 dos resultados do aquecimento global pelo IPCC. Repete-o com frequência o renomado biólogo Edward Wilson e o formulador da teoria da Terra como Gaia, o cientista James Lovelock, entre outros. A Terra está dando inequívocos sinais de estresse generalizado. Há limites intransponíveis.

Recentemente, o Secretário da ONU, Ban-Ki-Moon, alertou os povos de que temos cerca de dez anos apenas para salvar a civilização humana de uma ecocatástrofe planetária. Num número recente da revista Nature um prestigioso grupo de cientistas publicou um relatório sobre "Os limites do Planeta" (Planetary Boundaries), onde afirmavam que em vários ecossistemas da Terra estamos chegando ao pico (tipping Point) com referência à desertificação, ao derretimento das calotas polares e do Himalaia e à crescente acidez dos oceanos. Cabe aqui citar, a meu ver, o estudo mais bem fundado dos autores do legendário ‘Os limites do crescimento do Clube de Roma’, de 1972: D. Meadows e J. Randers. O livro deles, de 1992, tem um título que é um alerta: ‘Além dos limites: colapso total ou um futuro sustentável’.

A tese destes autores é de que a excessiva aceleração do desenvolvimento-crescimento das últimas décadas, do consumo e do desperdício, nos fizeram conhecer os limites ecológicos da Terra. Não há técnica nem modelo econômico que garanta a sustentabilidade do atual projeto. O economista Ignacy Sachs, amigo do Brasil, um dos poucos a propor um ecosociodesenvolvimento comenta: "Não se pode excluir a idéia de que, por excesso de aplicação da racionalidade parcial, acabemos numa linha de irracionalidade global suicida" (Fórum, junho 2009, p.19). Já afirmei neste espaço que a cultura do capital tem uma tendência auto-suicida. Prefere morrer a mudar, arrastando outros consigo.

Os formuladores da visão sistêmica chamam a este fenômeno de extrapolação e colapso. Quer dizer, extrapolamos os limites e rumamos para um colapso.

Serei pessimista? Respondo com José Saramango: "não sou pessimista, a realidade é que é péssima". Efetivamente, ou abandonamos o barco do desenvolvimento insustentável na direção daquilo que a Carta da Terra chama de "modo sustentável de viver", e os andinos de "bem viver", ou então aceitaremos o risco de sermos despedidos deste planeta.

Mas como o universo é feito de virtualidades ainda não ensaiadas, esperamos que surja uma que nos salve a todos.

[Autor de Opção-Terra. A solução da Terra não cai do céu, Record 2009].


sábado, 25 de julho de 2009

A UNE no rumo certo


A imprensa brasileira não quis informar à sociedade que o apoio da Petrobras se deu também no 50º Congresso da UNE, realizado em 2007. Neste encontro, a entidade levou, em parceria com a Coordenação dos Movimentos Sociais, mais de 8 mil estudantes às ruas exigindo o "Fora Meirelles", demarcando a sua posição de discordância com a política econômica do Governo Federal e a sua autonomia política. O artigo é de Tiago Ventura e Joanna Paroli, vice-presidente da UNE e diretora da entidade, respectivamente

Nos dias 15 a 19 de julho, jovens de todos os estados do País se reuniram para realizar o 51º Congresso da União Nacional dos Estudantes. Contando com a participação de mais de 10 mil estudantes, com delegados eleitos em 92 por cento das universidades brasileiras, o encontro entrou para história como o mais representativo da entidade, reforçando a história de lutas e legitimidade da UNE no seio dos estudantes e do movimento social brasileiro.

O 51º Congresso da UNE teve como marco comemorativo os 30 anos do Congresso da UNE de Salvador, realizado em meio à ditadura militar na perspectiva de refundar a entidade, até então fechada e perseguida pelo governo militar, colocando-a ativamente na luta pela redemocratização do País. Dessa forma, um dos pontos altos do 51º CONUNE se deu em torno do direito à memória dos estudantes perseguidos e mortos durante a ditadura, como o presidente da UNE “desaparecido” Honestino Guimarães, e dos militantes envolvidos nos processos de contestação dos anos de chumbo, como a guerrilha do Araguaia.

Outros momentos importantes fizeram parte desse Congresso. A realização do ato público em defesa da Petrobras, que se desdobrava na campanha contrária à CPI instaurada pela direita privatista contra a empresa, pelo fim dos leilões de petróleo e pela criação de uma empresa estatal para exploração da camada pré-sal. O ato reforçava a luta histórica da UNE por uma nova concepção de Estado, na qual bens estratégicos como o petróleo devem ser encarados e explorados a partir do seu caráter público, tendo como finalidade o combate às desigualdades sociais, em contrapartida ao desejo da direita, que gostaria de ver a Petrobras privatizada nas mãos do capital financeiro mundial. A UNE continua na vanguarda dos movimentos sociais quando colocou, na última gestão, a Campanha pela Legalização do Aborto como pauta prioritária e a construiu nas universidades de todo o país. Nesse Congresso, dezenas de estudantes uniram-se ao Ato contra a CPI do Aborto, instaurada na Câmara Federal, reafirmando o compromisso da UNE com a luta feminista e por uma educação libertária e livre de todas as opressões.

Por fim, o 51º CONUNE reafirmou, ao longo de todas as suas atividades, principalmente nas resoluções aprovadas na plenária final, a opção acertada de diálogo com a sociedade brasileira que a UNE trilhou no último período, reconhecendo os avanços e as contradições do Governo Lula, e dos governos populares da América Latina, entendendo que somente por meio da mobilização e pressão dos movimentos sociais é possível aprofundar as mudanças e construir alternativas ao mercado e ao sistema capitalista consolidado na sociedade mundial.

Foi precisamente no sentido de reforçar o diálogo e a necessária disputa de rumos que ocorreu a participação do Presidente Lula, a primeira participação de um presidente da República em um congresso estudantil na história do país. A atividade foi marcada pelo tom crítico dado pela intervenção da ex-presidente da entidade Lúcia Stumpf, exigindo assistência estudantil aos estudantes do Prouni, a ampliação e aplicação do programa somente em universidades que possuam pesquisa e extensão e a auditoria das contas das universidades que recebem a isenção, reforçando a inclusão de parcelas expressivas da população no ensino superior e construindo marcos regulatórios importantes do ensino privado.

Como era de se esperar, no decorrer do Congresso, e, principalmente, ao seu final, a grande mídia conservadora e monopolista – com destaque negativo para a Folha de São Paulo e as Organizações Globo - produziu uma série de matérias questionando as atividades construídas ao longo do evento, acusando a entidade de estar atrelada ao Governo Federal por receber apoio para realização do Congresso da Petrobras e de ter “abandonado a educação e as bandeiras históricas”, ignorando as resoluções aprovadas após cinco dias de debates. Os ataques chegaram ao cúmulo de tentar desmoralizar individualmente o estudante Augusto Chagas, recém-eleito presidente da UNE.

Trata-se de uma nítida tentativa de criminalizar e desqualificar a atuação de uma entidade que possui 72 anos de história em defesa do povo e da juventude brasileira, exemplificada na campanha do "Petróleo é nosso", na luta pelas reformas de base e contra a ditadura militar, nas lutas pelas "Diretas Já" e pelo "Fora Collor" e na resistência à privatização da Universidade Pública, organizada pelo Governo FHC na década de 90. Enquadra-se no contexto de perseguição organizada pelos setores conservadores, com braços infiltrados desde o Poder Judiciário até o Senado Federal, aos movimentos sociais combativos da sociedade brasileira, como os lançados recentemente contra o MST e o MAB, enxergando-os como organizações terroristas, organizadas pelo Governo a partir da liberação de verbas públicas. O enredo é sempre o mesmo, pois ao lado dos movimentos sociais se encontra a UNE, e do outro lado se encontra a aliança Demo-Tucana, que tem a imprensa monopolista como grande porta-voz.

A imprensa brasileira não quis informar à sociedade que o apoio da Petrobras se deu também no 50º Congresso da UNE, realizado em 2007. Neste encontro, a entidade levou, em parceria com a Coordenação dos Movimentos Sociais, mais de 8 mil estudantes às ruas exigindo o "Fora Meirelles", demarcando a sua posição de discordância com a política econômica do Governo Federal e a sua autonomia política, que é constantemente reafirmada na política de boicote ao ENADE, nas críticas à política de comunicação e nas exigências de se avançar cada vez mais nos investimentos e democratização da Universidade brasileira, derrubando, por exemplo, os vetos dados pelo Governo FHC ao Plano Nacional de Educação e a manutenção da Desvinculação da Receita da União na área da educação.

As críticas e a perseguição por parte da imprensa são resultados sobretudo da política acertada da entidade e das resoluções aprovadas no Congresso. Ocorrem porque a imprensa das elites brasileiras é contra a inclusão do setor privado no Sistema Nacional de Educação e a ampliação de vagas nas Universidades Públicas, em especial para os negros e negras filhos da classe trabalhadora; é contra a luta pela autonomia das mulheres e obtêm lucro com a mercantilização de seus corpos e suas vidas; é contra a realização da Conferência Nacional de Comunicação e a construção de um sistema público de comunicação; é contra a abertura dos arquivos da ditadura militar, porque se encontra envolvida com os porões da chamada "ditabranda", conforme editorial da Folha de São Paulo; e, acima de tudo, ataca a Petrobras e a UNE por ser contrária à criação de uma Estatal para a exploração da camada pré-sal com seus lucros voltados prioritariamente para educação, saúde e desenvolvimento social.
À imprensa conservadora resta a UNE responder: se assim não fosse, estaríamos preocupados, se estivessem contentes, estaríamos no caminho errado. Vida longa aos 72 anos de luta e combatividade da União Nacional dos Estudantes.

*Tiago Ventura é Vice-Presidente da UNE e Joanna Paroli é Diretora da UNE, ambos eleitos no 51º CONUNE

sábado, 11 de julho de 2009

América Latina: aprofundamento ou restauração?

Três acontecimentos simultâneos refletem, em direções distintas, os dilemas latinoamericanos atuais: o golpe em Honduras, a derrota eleitoral dos Kirchner na Argentina e a escolha dos candidatos a presidente para as eleições uruguaias. Os três apontam para o tema da continuidade e aprofundamento dos processos de transformação que estão vivendo grande parte dos países latinoamericanos ou a restauração conservadora, com o retorno da direita aos governos da região.

O golpe em Honduras - que tem possibilidade de ser revertido pela rejeição internacional e pelas mobilizações populares internas - aponta para a tentativa do presidente Zelaya de obter um segundo mandato via referendo, para dar continuidade ao processo recém iniciado de transformações internas na contracorrente do neoliberalismo até então vigente no país. O golpe, por sua vez, dado pela cúpula do Judiciário, das FFAA e do Congresso, expressa a inércia das forças conservadoras que sempre dirigiram a Honduras. Zelaya, filho desgarrado do Partido Liberal que, em rodízio com o Partido Conservador, dirigiram por décadas ao país, de forma praticamente harmônica.



Como sinal dos tempos e da perda de influência norteamericana, especialmente durante o governo Bush, a onda de novos governos no continente chegou à América Central, através da Nicarágua, de Honduras e, mais recentemente, de El Salvador. A direita, comandada pela imprensa oligárquica - similar à que se estende a praticamente todo continente -, se precipitou e pode pagar um preço caro por isso. Zelaya termina seu mandato no fim do ano, já havia afirmado que a consulta informal, caso levasse à introdução da reeleição, não afetaria seu mandato, que terminaria em janeiro de 2010.

Confirmando que se pode tudo com as baionetas, o golpe dificilmente viabilizará o governo que pretende se instalar. Resta saber se Zelaya retornará enfraquecido, cumprindo o final do mandato sem capacidade de iniciativas, abandonando o referendo. Ou se sentirá fortalecido, retomando a consulta e punindo pelo menos alguns dos golpistas. Caso ocorra esta segunda hipótese, o tiro terá saído pela culatra para a direita e Zelaya poderá dar continuidade ao processo de transformações recém iniciado em Honduras. Se a ofensiva fracassa, como havia acontecido com as aquelas contra Hugo Chávez, contra Lula, contra Evo Morales e contra os Kirchner, se consolida a idéia de que o contexto continental impede novos golpes militares, notícia importante para os governos progressistas e, na área, para o recém começado governo de Mauricio Funes em El Salvador, em particular.

A derrota eleitoral do governo Kirchner se dá no marco da contraofensiva da direita, iniciada com a mobilização do campo contra a elevação de impostos, no cenário dos ganhos monstruosos que, especialmente a exportação de soja, permitiu nos últimos anos na Argentina. Aproveitando-se do erro do governo de taxar a grandes, médios e pequenos proprietários de maneira indiferenciada, favorecendo a unificação do campo sob a direção dos grandes exportadores sojeros, a direita conseguiu articular aliança desses setores com a classe média branca de Buenos Aires, colocando o governo na defensiva. As eleições refletem essa mudança na relação de forças entre governo e oposição, com o governo perdendo maioria no Parlamento e condenando a Cristina Kirchner a difíceis 2 anos e meio, alem de alentar a direita para a possibilidade de conseguir derrubar o primeiro dos governos progressistas eleitos na região.

No Uruguai, o candidato que mais diretamente expressa a possibilidade de aprofundamento da superação do modelo herdado por Tabaré Vasquez, é seu ex-ministro da agricultura, Pepe Mujica, ex-dirigente tupamaro, que derrotou o candidato da preferência de Tabaré, o moderado Danilo Astori, ex-ministro da economia. Aqui, sendo favorito para ganhas as presidenciais, Mujica aponta para o aprofundamento das transformações começadas no Uruguai, enquanto na Argentina se aponta para o risco de uma restauração conservadora e em Honduras, depende do desenlace da crise. Trata-se dos mesmos dilemas do Brasil nas eleições presidenciais de 2010.

Emir Sader
* Filósofo, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Pública